15 de dezembro de 2008

" (...) Depois achou que lhe faltavam palavras e assim fez, morou com as palavras por anos. Até que as emprestou e virou um pouco as palavras. O resto do mundo é música, é letra, é história, é tudo. O resto do mundo é gigantesco. Mas tem um medo filho da puta de ser eu. Eu também adora brincar de resto do mundo. Sai sempre que pode de casa. Experimenta tudo. Tenta entrar nas coisas. Tenta deixar as coisas um pouco dentro de si. Logo vem o medo de vomitar. De expulsar tudo que não é eu. Eu precisa do resto do mundo perto o tempo todo, para senti-lo. De longe, eu só sente eu. Eu ri do resto do mundo. Um misto de nervoso, arrogância, ritual de sobrevivência e servidão. Eu virou eu justamente pra se proteger do resto do mundo. Então, quando escuta que é amado pelo mundo, duvida, provoca e espanta. O resto do mundo virou resto do mundo justamente porque ser eu enlouquece e é limitado. Então, por mais que eu seja esperto, o resto do mundo só vê um rato de laboratório, preso e correndo em sua esteirinha. Eu come pouco e vive enjoado. O resto do mundo engole o que vê pela frente e vive com dor de estômago. Um é ligado demais por dentro, não quer mais do que é porque o que é já quase o explode. O outro nem lembra o que esse por dentro agüenta, de tanto que carrega tudo pra ser algo. Pode tanto tudo que tudo banaliza. Eu diz coisas feias que saem sem filtro e de dentro. O resto do mundo diz coisas lindas que já chegaram filtradas, de fora. Os dois sabem do que o outro está falando, mas é que dá uma preguiça desgraçada parar de brincar só porque a bola caiu do outro lado do muro. Eu e o resto do mundo, são seres solitários que se atacam. Cada um pra defender o seu ser de tantos mil anos. Um sem saber o que fazer com o amargo que desce da boca pro cu. O outro sem saber o que fazer com o amargo que sobe do cu pra boca. Um com medo do que pode calar tantas certezas conquistadas na ignorância, o outro com medo da voz trêmula que poderia ter a sua inteligência se não estivesse pautada em algo. Eu não sabe o que sente, mas diz mesmo assim. O resto do mundo tem certeza do que sente, mas quando diz, fala pelo resto do mundo. Eu entende só de si, o que já é uma humanidade inteira. O resto do mundo entende de todo o resto, o que faz eu parecer uma criança de cinco anos se debatendo pra entender tanta vontade de chorar ou de ser feliz. Eu e o resto do mundo desistiram de se amar em suas roupas rasgadas pela luta. Mas nus, eu empresta do resto do mundo um silêncio que seu eu jamais lhe daria. Ter o resto do mundo dentro de si é a morte mais feliz. Ainda que doa e ainda que seja morte. E o resto do mundo pára, quem diria. O mundo pára pra ver eu. O mundo pára para ver como eu sente e se explica sem fim. Sem eu, o mundo é um lugar enorme, mas sem vida passeando em suas riquezas. Eu precisa do mundo para ser lido. E o resto do mundo precisa de eu para ser livro. Depois eu volta a sentir tudo com uma solidão avassaladora. Depois o resto do mundo volta a rodar. A rodar e atropelar eu. A rodar e trucidar eu. Eu volta a martelar em si. O resto do mundo volta a somar todos os martelos do mundo para se sentir martelado. Cada um na sua despedida egoísta, vingativa e perdoável. Na sua vida a dois que não existe a não ser por essa intersecção, no ponto onde eu se esquece pra pertencer e o resto do mundo se encontra pra ser alguma coisa. Não é inveja isso que nutrem um pelo outro. Nem ciúme. Nem ódio. Nem maldade. É absurdo. É só absurdo. Algo tão parecido com amor que confunde a vida. "

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